quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Racionalização sobre o ateísmo e religião


Folha de São Paulo
Matemático polemiza em "Por que a Ciência Não Consegue Enterrar Deus"

O matemático britânico John C. Lennox, da Universidade de Oxford, defende com argumentos sólidos a possibilidade de coexistência entre o conhecimento científico e a religião em "Por que a Ciência Não Consegue Enterrar Deus". O objetivo do livro é fornecer um amparo fortemente embasado para os cientistas, ou qualquer leitor, que sintam necessidade de debater em favor de sua crença.
Divulgação
Descrição: Matemático tenta comprovar que ciência e Deus não são excludentes

Ao longo dos capítulos, o autor usa linguagem simples e citações de outros autores para mostrar que as descobertas feitas pelo homem não excluem a existência de um Deus. Lennox também expõe o que considera as fraquezas da ciência e revela que a maior parte das respostas que ela oferece são especulações teóricas que precisam da fé da comunidade científica para existir. Ele ainda ressalta momentos em que os acadêmicos precisaram se desmentir e até voltar atrás com suas afirmações.
Entre os temas discutidos estão o embate entre as cosmovisões, a organização da natureza e do universo, a complexidade da biosfera, a origem da vida e do código genético e a proximidade com a religião mantida por grandes cientistas como Francis Bacon, Galileu Galilei, Isaac Newton e Clerk Maxwell.
Leia trecho inicial do capítulo "Deus - Uma Hipótese Desnecessária?".
Deus - Uma Hipótese Desnecessária?
A ciência tem alcançado êxito impressionante na investigação do Universo físico e na elucidação de como ele funciona. A pesquisa científica também levou à erradicação de muitas doenças horríveis e nos deu esperanças de eliminar muitas outras. E a investigação científica alcançou outro efeito numa direção completamente diferente: ela serviu para libertar muita gente de medos supersticiosos. Por exemplo, ninguém precisa mais pensar que um eclipse da Lua é causado por algum demônio assustador, que necessita ser apaziguado. Por tudo isso e por inúmeras outras coisas devemos ser muito gratos.
Porém, em algumas áreas, o próprio sucesso da ciência tem também conduzido à ideia de que, por conseguirmos entender os mecanismos do Universo sem apelar para Deus, podemos concluir com segurança que nunca houve nenhum Deus que projetou e criou este Universo. Todavia, esse raciocínio segue uma falácia lógica comum, que podemos ilustrar como segue.
Tomemos um carro motorizado Ford. É concebível que alguém de uma parte remota do mundo que o visse pela primeira vez e nada soubesse sobre a engenharia moderna pudesse imaginar que existe um deus (o sr. Ford) dentro da máquina, fazendo-a funcionar. Essa pessoa também poderia imaginar que quando o motor funcionava suavemente o sr. Ford gostava dela, e quando ele se recusava a funcionar era porque o sr. Ford não gostava dela. É óbvio que, se em seguida a pessoa passasse a estudar engenharia e desmontasse o motor, ela descobriria que não existe nenhum sr. Ford dentro dele. Tampouco se exigiria muita inteligência da parte dela para ver que não é necessário introduzir o sr. Ford na explicação de funcionamento do motor. Sua compreensão dos princípios impessoais da combustão interna seria mais que suficiente para explicar como o motor funciona. Até aqui, tudo bem. Mas se a pessoa então decidisse que seu entendimento dos princípios do funcionamento do motor tornavam impossível sua crença na existência de um sr. Ford, que foi quem de fato projetou a máquina, isso seria evidentemente falso - na terminologia filosófica ela estaria cometendo um erro de categoria. Se nunca houvesse existido um sr. Ford para projetar os mecanismos, nenhum mecanismo existiria para que ri
Religiosidade, seita, culto, superstição, espiritualidade, fé, magia. Os elementos que definem "religião" não são consensuais nem mesmo entre os especialistas. Em "Introdução à Ciência da Religião", o hist procura esclarecer o que dificulta a generalização do termo.
Originalmente, segundo o autor, "o termo contrastante de religio, a superstitio, não se referia a uma fé errada (posteriormente "superstição"), mas uma atuação errada --errada no sentido de um ato incorreto ou também realizado de modo exagerado, sem legitimação ou autorização."
A ciência da religião se refere a uma pesquisa empírica, histórica e sistemática da religião e de religiões, uma disciplina autônoma das ciências humanas. O livro é uma introdução ao objeto e às tarefas da área.

Autor concilia religião e ciência em "Teologia e Física"

Nascidas da mesma necessidade do homem de explicar e entender o mundo, a teologia e a física são duas formas de perceber a realidade e os fenômenos da natureza. Enquanto a primeira admite a existência do sagrado e de uma força organizadora do cosmos, a última escolheu as vias do empirismo e da comprovação para chegar às suas conclusões.

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O pensador italiano Simone Morandini propõe uma cuidadosa reaproximação destes dois ramos do pensamento --que já caminharam juntos-- no livro"Teologia e Física". Na obra, o autor procura demonstrar, de forma detalhista, como as principais teorias da física admitem a existência do transcendental.
Precavido, o intelectual sugere que a reconciliação seja feita de maneira crítica. Ele previne os leitores com relação a abordagens equivocadas, distorcidas e interesseiras sobre o tema (veja abaixo).
Morandini usa trabalhos e teorias clássicos da física para contruir sua tese e demonstra, ao longo das páginas, que muitos cientistas já não renegam e até apoiam explicações de origem teológica como parte de alguns fenômenos.
Leia trecho do capítulo "Cosmologia e Teologia", da página 84 de"Teologia e Física".
rspectivas fascinantes, diante das quais não causa admiração o reemergir de um interesse pelo entrelaçamento de ciência, filosofia e discurso sobre Deus, que parece se revelar no início do milênio. A proliferação da divulgação científica dedicada à cosmologia parece caminhar pari passu com o uso - nem sempre apropriado - de termos como "Deus" ou "divino" em seus títulos. Há, certamente, o risco de reducionismo e de hipertrofia, talvez induzida pela miragem de fáceis vendas editoriais, que não pode, todavia, obscurecer o interesse pelo uso de um termo tão carregado de conotações pesadas na cultura ocidental. Quem fala do início do todo evoca também sempre - seja muitas vezes somente de modo implícito, seja em formas às vezes logicamente discutíveis - o problema da sua origem, e aqui a palavra de Deus parece assumir significados relevantes.*
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"O ateísmo é anormalidade", diz autor de "O Homem Eterno"

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), escritor londrino, foi um dos maiores defensores do cristianismo em uma época que o ateísmo era uma tendência entre intelectuais.
O progresso técnico e o desenvolvimento científico --principalmente após a Revolução Industrial, no século 18-- despertaram no homem um sentimento de controle da natureza e de independência. As críticas à doutrina e aos mistérios do cristianismo não era novidade entre os filósofos. O pensamento estava presente em iluministas como Voltaire (1694-1778).
O mundo se deparava com ideias de Friedrich Nietzsche (1844-1900)Sigmund Freud (1856-1939) e Charles Darwin (1809-1882), um período de afirmações polêmicas e chocantes.
Foi nesse cenário que Chesterton defendeu a fé e a existência de Deus. O autor exerceu grande influência e chegou a debater o assunto com Bertrand Russell (1872-1970), o ateu mais famoso e ativo da filosofia contemporânea.
Em "O Homem Eterno" (Mundo Cristão, 2010) reconta, com o seu característico humor britânico, a história da humanidade apontando a ação de Deus no mundo. Ao argumentar contra os céticos, diz no livro: "o ateísmo é anormalidade".
Conta-se que o volume foi o responsável pela conversão de C. S. Lewis, autor de "As Crônicas de Nárnia", ao cristianismo. Leia, abaixo, um trecho do exemplar.
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Aquela mitologia e aquela filosofia, à luz das quais o paganismo já foi analisado, ambas haviam sido bebidas literalmente até as fezes. Se com a multiplicação da magia o terceiro departamento, que denominamos demônios, estava cada vez mais ativo, ele nunca significou outra coisa que não fosse destruição. Resta apenas o quarto elemento, ou melhor, o primeiro; aquele que em certo sentido fora esquecido por ser o primeiro. Refiro-me àquela primeira, dominante e mesmo assim imperceptível impressão de que o universo no fim das contas tem uma única origem e um único objetivo; e por ter um objetivo deve ter um autor. O que aconteceu nessa época com essa grande verdade no fundo da mente humana talvez seja mais difícil determinar. Alguns dos estoicos sem dúvida viram isso cada vez mais claro à medida que as nuvens da mitologia se abriram e desfizeram; e dentre eles grandes homens fizeram muito lutando até o fim para lançar os fundamentos de um conceito da unidade moral do mundo. Os judeus ainda tinham sua secreta certeza disso ciosamente guardada atrás de altas cercas de exclusividade; no entanto, uma forte característica da sociedade nessa situação é o fato de que algumas figuras em voga, especialmente senhoras, realmente abraçaram o judaísmo. Mas no caso de muitas outras pessoas imagino que nesse ponto surgiu uma nova negação. O ateísmo tornou-se realmente possível nesse tempo anormal, pois o ateísmo é anormalidade. Não é simplesmente a negação de um dogma. É a inversão de um pressuposto subconsciente da alma; a sensação de que existe um significado e uma direção no mundo que ela enxerga. Lucrécio, o primeiro evolucionista que se esforçou para substituir Deus pela evolução, já havia exposto aos olhos dos homens sua dança de cintilantes átomos, com a qual ele concebeu o cosmo sendo criado do caos. Mas não foi sua forte poesia ou sua triste filosofia, imagino eu, que possibilitaram aos homens acalentar essa visão. Foi algo no sentido de uma impotência e um desespero, e com isso os homens ergueram em vão os punhos contra as estrelas, quando viram as mais belas obras da humanidade afundando lenta e fatalmente num lodaçal. Eles poderiam facilmente acreditar que até a própria criação não era uma criação, mas uma perpétua queda, quando viram que as mais sólidas e dignas obras de toda a humanidade estavam caindo devido a seu próprio peso. Poderiam imaginar que todas as estrelas eram estrelas cadentes; e que os próprios pilares de seus solenes pórticos estavam se curvando sob uma espécie de crescente Dilúvio. Para gente naquele estado de espírito havia um motivo para o ateísmo, que em certo sentido é racional. A mitologia poderia desaparecer e a filosofia poderia fossilizar-se; mas, se por trás dessas coisas havia uma realidade, com certeza essa realidade poderia ter sustentado as coisas que iam caindo. Não existia nenhum Deus; se existisse um Deus, com certeza esse era o momento exato para ele agir e salvar o mundo.
Teologia se tornou dependente de ídolos do pensamento

Com a tentativa de se modernizar, o cristianismo buscou o dialogo com os pensadores mais influentes de nosso tempo, como Marx, Nietzsche e Freud. Contudo, a teologia católica acabou por se submeter e perdeu sua autonomia secular.
Segundo Luiz Felipe Pondé, teólogos passaram a "pedir a benção" de ídolos do pensamento. O problema é que, em grande parte, teóricos contemporâneos são contrários à fé e aos dogmas religiosos.
"Resumindo: depois de Marx, um religioso é um alienado, explorado por um clero a serviço da elite, que detém os meios de produção; depois de Nietzsche, um religioso é um covarde; depois de Freud, um religioso é um retardado", sintetiza Pondé --com sua habitual sutileza-- no livro "O Catolicismo Hoje".
O livro, parte da coleção "Para Entender", reflete sobre conflitos ideológicos, como o avanço do direito dos homossexuais, islamismo e o papel da mulher, e examina como acusações de pedofilia atingem a imagem dos sacerdotes.
Pondé, que participou da Flip deste ano, é doutor em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo) e pela Université de Paris 8, colunista da Folha e professor de ciência da religião.
Historiador delineia mitos e símbolos que dão sentido à vida

O historiador romeno Mircea Eliade (1907-1986), em "História das Crenças e das Ideias Religiosas" (Vol. 2), percorre séculos de simbologias e religiões, de Buda ao domínio do cristianismo na Europa.
Publicado pela editora Zahar, o livro acaba de chegar às livrarias com tradução de Roberto Cortes de Lacerda. A obra é leitura recomendada para todos os que se interessam pelo estudo das religiões e da cultura.
No primeiro volume, o autor tratou do desenvolvimento das crenças da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Previsto para o próximo semestre, a terceira parte tratará do surgimento do islamismo até chegar à Era das Reformas.


Marcelo Gleiser investiga discurso ateísta da ciência; leia trecho

Professor de filosofia natural e de física e astronomia, Marcelo Gleiser é conhecido no Brasil por apresentar temas complexos das ciências de maneira compreensível.
Em seu novo livro, "Criação Imperfeita", Gleiser examina e contesta mais de 2.000 anos de desenvolvimento científico, ao desmontar o maior mito criado pela ciência: a perfeição da Natureza.
Grandes nomes da ciência, como Galileu, Newton, Planck e Einstein, buscaram explicar o Universo em termos de simetria, harmonia e ordem.
O físico esclarece a importância da imperfeição no desenvolvimento do Universo e argumenta que a ciência não é capaz de provar a inexistência de Deus e que jamais poderá explicar a realidade por completo, posição que contradiz Richard Dawkins e outros ateístas radicais.
Para Roald Hoffman, ganhador do prêmio Nobel de química, "Marcelo Gleiser é nosso guia lúcido para onde a beleza é encontrada em um universo imperfeito, assimétrico e acidental."
Colunista da Folha de S.Paulo, Gleiser também é autor de "A Dança do Universo" e "O Fim da Terra e do Céu", ambos vencedores do prêmio Jabuti. Abaixo, leia um trecho do novo livro.
As vezes, para enxergarmos mais longe, temos que olhar por cima dos muros que nos cercam. Durante milênios, magos e filósofos, crentes e céticos, artistas e cientistas vêm tentando decifrar o enigma da existência, convencidos de que a incrível diversidade do mundo natural tem uma origem única, que a tudo engloba. A essência dessa busca é a convicção de que, de alguma forma, tudo está interligado, de que existe uma unidade conectando todas as coisas. Para representar esta unidade, a maioria das religiões invoca uma entidade divina que transcende os limites do espaço e do tempo, um ser com poderes absolutos que criou o mundo e que controla, com maior ou menor arbítrio, o destino da humanidade. Todos os dias, bilhões de pessoas vão a templos, igrejas, mesquitas e sinagogas dedicar preces ao seu Deus, a fonte de todas as coisas. Não muito longe dos templos, em universidades e laboratórios, cientistas tentam explicar as várias facetas do mundo natural a partir de uma noção surpreendentemente semelhante: que a aparente complexidade da Natureza é, na verdade, manifestação de uma unidade profunda em tudo o que existe.
Neste livro, veremos que a crença numa teoria física que propõe uma unificação do mundo material - um código oculto da Natureza - é a versão científica da crença religiosa na unidade de todas as coisas. Podemos chamá-la de "ciência monoteísta". Alguns dos maiores cientistas de todos os tempos, Kepler, Newton, Faraday, Einstein, Heisenberg e Schrödinger, dentre outros, dedicaram décadas de suas vidas buscando esse código misterioso, que, se encontrado, revelaria os grandes mistérios da existência. Nenhum deles teve sucesso. Nos dias de hoje, físicos teóricos, especialmente aqueles que estudam questões relacionadas com a composição da matéria e a origem do Universo, chamam esse código de "Teoria de Tudo" ou "Teoria Final". Será que essa busca faz sentido? Ou será que não passa de uma ilusão, produto das raízes míticas da ciência?
Se, quinze anos atrás, uma vidente me dissesse que um dia escreveria este livro, não acreditaria. Passei meu doutorado e a primeira década da minha carreira buscando por essa elusiva Teoria Final, que unifica tudo o que existe. Não tinha dúvida de que esse era o meu caminho. A candidata mais popular era, e ainda é, conhecida como teoria das supercordas, segundo a qual as partes mais básicas da matéria, os tijolos a partir dos quais tudo é construído, não são pequenas partículas como o elétron, mas tubos submicroscópicos de energia que vibram freneticamente num espaço de nove dimensões. A teoria, de uma elegância matemática extremamente sedutora, deu passos importantes em direção a uma teoria unificada, se bem que, como veremos, continua longe do seu objetivo. Milhares de mentes brilhantes continuam tentando aprimorá-la, enquanto outras trabalham em teorias rivais.
Todas as teorias de unificação baseiam-se na noção de que quanto mais profunda e abrangente a descrição da Natureza, maior o seu nível de simetria matemática. Ecoando os ensinamentos de Pitágoras e Platão, essa noção expressa um julgamento estético de que teorias com um alto grau de simetria matemática são mais belas e que, como escreveu o poeta John Keats em 1819, "beleza é verdade". Porém, quando investigamos a evidência experimental a favor da unificação, ou mesmo quando tentamos encontrar meios de testar essas ideias no laboratório, vemos que pouco existe para apoiá-las. Claro, a ideia de simetria sempre foi e continua sendo uma ferramenta essencial nas ciências físicas. O problema começa quando a ferramenta é transformada em dogma. Nos últimos cinquenta anos, descobertas experimentais têm demonstrado consistentemente que nossas expectativas de simetrias perfeitas são mais expectativas do que realidades.
Mesmo que, inicialmente, minha mudança de perspectiva tenha sido bastante difícil e mesmo dolorosa, aos poucos fui reorientando minha pesquisa para uma nova direção. Comecei a reconhecer que não é tanto a simetria, mas a presença de assimetria a responsável por algumas das propriedades mais básicas da Natureza. Não há dúvida de que a simetria tem o seu valor e continuará sendo extremamente útil na construção de modelos que descrevem a realidade física em que vivemos. Porém, por si só, a simetria é limitada: toda transformação que ocorre no mundo natural é resultado de alguma forma de desequilíbrio. Como explicarei neste livro, da origem da matéria à origem da vida, do átomo à célula, o surgimento de estruturas materiais complexas depende fundamentalmente da existência de assimetrias.
Aos poucos, fui convergindo numa nova estética, baseada na imperfeição. Que me perdoe o grande Vinicius de Moraes, mas beleza não é fundamental. É o imperfeito, e não o perfeito, que deve ser celebrado. Como no famoso sinal de Marilyn Monroe, a assimetria é bela precisamente por ser imperfeita. A revolução na arte e na música do início do século XX é, em grande parte, uma expressão dessa nova estética. É hora de a ciência mudar, deixando para trás a velha estética do perfeito que acredita que a perfeição é bela e que a "beleza é verdade".
Essa nova perspectiva científica tem repercussões que vão muito além das universidades e dos laboratórios. Se estamos aqui porque a Natureza é imperfeita, o que podemos afirmar sobre a existência de vida no Universo? Será que podemos garantir que, dadas condições semelhantes, a vida surgirá em outras partes do cosmo? E a vida inteligente? Será que existem outros seres pensantes espalhados pela vastidão do espaço? De forma completamente inesperada, minha busca científica levou-me a um novo modo de pensar sobre o que significa ser humano: a ciência tornou-se existencial.
Oculta na busca pela unidade de todas as coisas, encontramos a crença de que a vida não pode ser um mero acidente: se forças superiores não tiverem planejado nossa existência, nada faz sentido. Não importa se fomos criados por deuses, como afirmam muitas religiões, ou por um universo cujo objetivo é gerar a vida. De um modo ou de outro, nossa presença aqui tem que ter uma razão de ser. A alternativa seria deprimente: qual o sentido da vida se ela tiver surgido acidentalmente num universo sem propósito? Como consequência, muitos se ofendem quando é sugerido que estamos aqui devido a uma série de acasos: Por que somos capazes de pensar, de amar e de sofrer com tanta intensidade, de criar obras de enorme beleza, se mais cedo ou mais tarde iremos todos perecer e, com raríssimas exceções, seremos esquecidos após algumas gerações? Por que somos capazes de refletir sobre a passagem do tempo se não temos o poder de controlá-la? Não, devemos ser criaturas divinas, ou ao menos parte de um grande plano cósmico. Sermos meramente humanos não pode ser toda a história.
Mas e se formos um acidente, um raro e precioso acidente, agregados de átomos capazes de se questionar sobre a existência? Será que devemos menosprezar a humanidade se não for parte de um "grande plano da Criação"? Será que devemos menosprezar o Universo se não existir um código oculto da Natureza, um conjunto de leis que explica todas as facetas da realidade? Eu diria que não. Pelo contrário, a ciência moderna, ao mesmo tempo que mostra que não existe um grande plano da Criação, põe a humanidade no centro do cosmo. Podemos mesmo chamar essa corrente de pensamento, que proponho aqui, de "humanocentrismo". Talvez não sejamos a medida de todas coisas, como propôs o grego Protágoras em torno de 450 a.C., mas somos as coisas que podem medir. Enquanto continuarmos a nos questionar sobre quem somos e sobre o mundo em que vivemos, nossa existência terá significado.
Vamos considerar esse ponto mais detalhadamente. Após apenas 400 anos de ciência moderna, criamos um corpo de conhecimento que se estende do interior do núcleo atômico até galáxias a bilhões de anos-luz de distância. Ao mergulharmos com nossos maravilhosos instrumentos nos confins do muito pequeno e do muito grande, encontramos uma infinidade de mundos de uma riqueza insuspeitada. A cada passo que demos, a Natureza nos encantou e nos surpreendeu. Com certeza, continuará a fazê-lo. Ao construirmos uma narrativa explicando como, a partir de uma sopa de partículas elementares no Universo primordial, surgiram estruturas materiais cada vez mais complexas, nos deparamos com uma incrível diversidade de formas que jamais poderíamos ter imaginado. A Natureza é muito mais criativa do que nós. Dos muitos mistérios que nos inspiram, talvez o mais instigante seja entender como a matéria inanimada tornou-se viva, e como nossos primeiros ancestrais, minúsculas bolsas de moléculas animadas, transformaram um planeta rochoso num oásis de atividade biológica em meio a um cosmo frio e indiferente.
Vendo a riqueza da vida aqui, e sabendo que as leis da física e da química permanecem válidas por todo o cosmo, voltamos nossos instrumentos para nossos vizinhos planetários, buscando avidamente por companhia. Infelizmente, apesar da convicção de que encontraríamos algo, nos deparamos apenas com mundos mortos. Belos, sem dúvida, mas destituídos de qualquer sinal óbvio de vida. Mesmo que algum ser vivo se oculte no subsolo marciano ou nos oceanos gelados e escuros de Europa, a enigmática lua de Júpiter, certamente terá pouco a ver com seres autoconscientes, capazes de refletir sobre o sentido da vida. Se civilizações alienígenas existirem - a busca por vida extraterrestre inteligente continua - estão tão afastadas de nós que, na prática (e descontando especulações um tanto fantasiosas), é como se não existissem. Enquanto estivermos sozinhos, produtos de acidentes ou não, nós somos a consciência cósmica, nós somos como o Universo reflete sobre si mesmo. Como veremos, essa revelação tem consequências profundas. Mesmo que não tenhamos sido criados por deuses ou por um cosmo com o propósito de gerar criaturas inteligentes, a verdade é que estamos aqui, refletindo sobre a razão de estarmos aqui. E isso nos torna muito especiais.
Nosso planeta, pulsando com incontáveis formas de vida, flutua precariamente num cosmo hostil. Somos preciosos por sermos raros. Nossa solidão cósmica não deveria incitar o desespero. Pelo contrário, deveria incitar o desejo de agirmos, e o quanto antes, para proteger o que temos. A vida na Terra continuará sem nós. Mas nós não podemos continuar sem a Terra. Ao menos não até encontrarmos uma outra casa celeste, o que tomará muito tempo. Basta olhar em torno, para a situação delicada em que se encontra o nosso planeta, para constatar que tempo é um luxo que não temos.


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